sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Nada não.

As mãos estão paralelas, uma de cada lado do corpo, segurando a trepida cadeira. Eu no meu centro de tudo, olho atentamente cada passada. Cada engalfinhada dos produtos e dos gêneros.
A respiração é ofegante, no entanto não garante tom de alegria.
E agora? E agora que eu já vejo os meus defeitos, os meus erros, os meus sofrimentos? E agora que eu me vejo por dentro?

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

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Carola é mulher fogoza. Fogozíssima, diga-se de passagem. Daquelas que exala vermelho e romãs quando passa. Alías, é assim que os homens a comparam: com romãs, por algum motivo, e é por isso que ganhou este apelido.

Acorda cedo, ouve tango e logo acende seu cigarro. Toma banhos perfumados, veste decotados e vai trabalhar. No caminho, passeia se sentindo vigiada. E talves esteja; Todos a olham, nas ruas, nos mercados, nas lojas, nas esquinas. Nas esquinas principalmente pois é nelas que passa suas maiores horas, logo depois das 12 horas compromissadas à sobrevivência.
Mas, por ironia aos romãs, de intitula mulher romântica. Acredita que, quanto mais tempo passa nas ruas, mais chances tem de conhecer o homem de sua vida. Não Molda-lhe muitos detalhes e acredita que vai reconhecê-lo só pelo andar, quando o vir.
E foi assim que entrou nessa: quando qualquer homem passa, vem a certeza que chegou o momento preparado pelo destino, o seu homem.
Daí, chama-lhe, conversa, convence-o com seu cabelos negros e lisos até a cintura e suas lentes de contato azuis. Leva-o para casa, faz ceninha, ama loucamente. Ela ama, pois eles, normalmente, nem percebem que por baixo das carnes fartas há um coração. Vão embora antes do café e, Carola se parte em pedaços comendo sozinha na mesinha de canto da cozinha. E repete sua rotina.

"É hoje" , diz ela, como que num jargão de novela ou comerciais. Sequer como filme de amor presta... E é a única que não vê a teia em que se enfiou, vendendo-se tão barato por um sonho guardado, fictício, desde criança nas histórias de princesa.

Não chora nem reza, e seus "sonhos" nem podem ser entitulados assim. São só pedaços de uma falsidade conduzida, consumida, resumida, dia após dia, como um poema de bêbado no papel.

Dia ou outro admite que, na verdade, só quer descançar. Sua visão de amor é mesquinha... e um tanto quanto apressada. Não precisa gostar mesmo, nem achar bonito, nem ser inteligente, nem ter com que elogiar... Basta sentir um braço pesado, suado de trabalho... pra não ter ela que trabalhar.

Vai levando assim, sozinha sua vidinha, esperando logo que um príncipe de carro - seja qual for- e de terno de bolsos fartos chegar e salvá-la de ter que acordar. De ter horários, de ter compromissos, de ter salário, de ter que andar, de ter que cozinhar, de ter que ter coragem, de ter que se honrar....

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Casa oca.

Sou intermédio.
Lúcia, por sua vez, é meio tédio.
Gosta de ficar em casa, e assistir tv - coitadinha, acredita que olhando pra telinha, vai ter mais o que dizer.
Não é curiosa, nem dança flamenco. Também não samba, nem sabe cantar, tampouco expõe suas idéias... e isso seja talvez porque... por que... Por que Lúcia não tem nada disso. Simplesmente não é dela. Nem é dela apreciar perfumes, nem se apaixonar nas esquinas, nem ajudar velhinhas, e, pra aumentar seu marasmo, nem de cerveja Lúcia gosta.
Ela gosta de ficar parada, com olhar vazio na janela. Isso porque só tem uma coisa que Lúcia sabe: Que é bonita. Então, pousa na janela pra que alguém note as graças dela. E quando se entedia, dorme.

Gosta também da casa limpinha e, se cozinha, quer logo limpar denovo pra não sentir o cheiro dos temperos ou da carne cozida.

Se entra um barulho lá de fora, fecha logo as janelas. Gosta de viver de pijamas e pede compras pela internet.

Lúcia -tadinha- quase que se sente bem assim, se esquivando de tudo. Se escondendo do mundo.

Ela, faz parte dos não participantes, dos não desconcertantes da vida. Mas escolheu sua filosofia:

Lúcia se poupa dos riscos, e optou por não existir -na mente dos outros- vazia.

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Aquela conquista.

-Alô, Aninha? A ligação tá péssima, vem cá? Passei naquele teste de elenco hoje, quero comemorar... buteco da esquina, já!

E sai Patrícia, cabelinhos semi-lisos até os ombros, joga de um lado pro outro até chegar no bar.

- Amigo! a de sempre por favor, e um maço de cigarros também viu?

Aninha demora. E demora. Mas Patrícia nem liga, espera observando quem passa...
Vê o gari, a essa hora ainda tarbalhando... Mas aproveitando claro.Finje que pega uma folha da ruela mas na verdade só abaixou pra ter melhor visão das pernas da mulata que passou adiante. Uma graça de vista.
Os caras musculosos batendo um nas costas do outro, testando quem é que vai pegar mais que quem numa noite dessas... As crianças correndo pra casa, antes que as mães cheguem gritando... As meninas se exibindo, aquelas que sequer se importam se existem olhares direcionados ou não (estas, sempre chamam mais atenção, justamente por serem assim, desencanadas). Os cachorrinhos e cachorrões passeando com seus donos ficam sem entender por que é que estes mesmos donos precisam segurar na coleira pra não se perder.. 'será que sem o meu faro eles não encontram o caminho para casa?'. Bobagens, bobagens.

Um golinho de cerveja pra inebriar a noite deliciosa de verão.

Procura no copo um reflexo de estrela. Qual daquelas douradas teria um gosto de cerveja?

Os olhos de Patrícia crescem de ambição a cada gole, a cada trago, a cada respirada intensa que ela dá. A cada detalhe e toque que ela rouba dos personagens da rua. A cada novo paladar.

Ei, lá de longinho, de chinelo e camiseta, largada... vem Ana. A namorada.

Uma travessia no farol fechado, um toque, um sorriso, um beijo, um gole.

A estória sempre acaba, os detalhes sempre fogem de vista quando chegam os olhos de Ana: A amada.

Neuroses de um passeio feminino. (Ou 'crônica de quase Amélia')

Pego um ônibus.
Ele tá lá, tá lá, no ponto, ficando cada vez menor, cada vez mais distante... e de repente eu não o vejo mais. Ai droga, eu n ão o estou vendo! Me resta é virar, olhar pra frente.
Será? Vou ficar umas boas horas fora, existem obrigações a fazer... Mas ele... O que ele vai fazer enquanto eu estiver fora? Ler um livro, assistir tv, coçar o saco... e por falar em saco, aquela putinha nova do ap. 22, com certeza.
Já até vejo, eu mal saí e ele já se encontra com ela na entrada do condomínio. é toda santinha, aquela cintura fofinha das meninas novas, o vestidinho discreto, só por que sabe que não precisa querer chamar atenção. Ele leva ela pra nossa casa, de mansinho pro quarto e.... tarado! vadio! que absurdo, na nossa cama! NÃO NÃO! Naa minhaaa cama, que eu comprei com meu dinheiro! Vai ver quando chegar em casa.. é melhor até eu voltar agora e... que isso? para! não imagina bobagem. Olha lá ein! imagina, imagina.. vai que acontece? Não. Que isso, tá louca? Tu é mais você. E quer saber? mesmo se ele fizesse, quem tem o poder é você mulher. Tu te a grana, ele que passe fome, tu leva até a cama pra ele num ter onde deitar.
Tadinho. Pensar tudo isso dele, vai que tá lá, quietinho, me esperando chegar. Ou nas pornografias da internet né... até parece que não sou mais a loura gostosa que ele conheceu naquele dia de carnaval! Precisando destas coisas... e eu, euuu que me vivo me doando inteira pra ele chegar e se desfazer de mim assim! eu fico aos pedaços!
Pedaços? que pedaços mulher? se aguenta. tu é mais...

-Ajuda senhora?
-Não não, só olhando os tecidos.
-Se precisar é só chamar viu? Meu nome é Selena.

Selena.... seios fartos, se ele estivesse aqui já estaria gostando do passeio... Se bem que ele nunca deixa transparecer.. Mas eu sei, eu sei. Mulher sabe destas coisas. Ahhh mas se eu pudesse arrancava todos os decotes das mulheres do mundoo e...

-Selena! Me separa 3 metros de cada um destes, por favor.
- Dirija-se ao caixa.

Aiii, eu me aguento, preciso. Vou correr aqui pra não dar tempo nem dele pensar... Quando chegar lá, ou pego ele com a boca na butija ou até chego antes, evito o desespero. Aiii meu coração....

- 60 reais. Obrigada.

Aii onibus, chega logo... meu marido tá lá, me traindo e Deus assim, com essa falta de pressa... Que lerdeza! Ah, enfim, o ônibus.

Como chacoalha essa droga. Mas não deve chacoalhar mais que aquela cama agora, ahhhh... E se não for com a novinha do 22? e se for com uma mais nova ainda? pedófilo! Se diz intelectual mas adora pegar as menininhas estupidas. Ou não, talves esteja me tr aindo com alguma fanática por cinema.... Ou então todas! Ahhh eu vou me matar...

Ou não. Coitado.. Ai meu Deus perdão.. um marido tão sossegado, tão manso e eu aqui pensando coisas... Coisas que são de se pensar, é verdade.. afinal homem é homem e.... Aiii cadê minha chave?

(porta abrindo)

-Oi amor! Comprou tudo que queria?
-Uhun.
- Foi muito caro, querida?
-Uhun.
-Tá tudo bem benzinho, que cê tem?
-Nada. Tá tudo ótimo Gaspar. Tudo ótimo.

E ele, claro, para tragédia de sua pobre mulher, nunca entende nada. Traíra.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Silvia.

Por discuido: Eu quase passei por mim; Assim, tão discreta, tão meiguinha, como quem não quer nada, que quase não me notei. Fui passando por tonta, bancando a inocentinha... Mas que forma mais frágil e indelegável de me fingir de ninguém, ein? Mas eu não posso mais ser assim. O mundo cobra de mim. Não, não, mil perdões, isso é só mais uma desculpinha fajuta; Quem cobra demais de mim sou eu mesma. Meu marido, ou melhor, meu ex-marido, por ora já o fez, coitado, mal compreendia que a minha fragilidade exibida era por ele, para agradar seu espirito fértil machista... acho que nem deu, como os outros, se encheu e se foi da pobre fingida, frígida e infértil de coragens.
É por isso então, q'eu tô sozinha.
Já vi bem que não adianta se fazer de santinha. O negócio mesmo é cair na correria... sabe? aquilo que eles chamam de farra. Botei mesmo meus sapatos de salto, até na cabeleireira eu fui hoje, só pra farrear.
Chamei as vizinhas, a moça do altar, até as galinhas, e me meti dentro duma boa noite de algazarra, que é bem pra tirar a veste, esse manto de s'ANTA.
Por sorte (ou azar) não encontrei homem nenhum. Até fui com intensão de dar uma de puta sabe, só pra enfrentar e matar a Maria aqui dentro, mas na hora, eu não quis. Fui só minha, peguei a noite para me pegar. Não bebi demais, não dancei vulgar, e só acendi um cigarro pra descontrair, pra me achar sexy... mas, assim, por mim mesma mesmo... não tinha nada nem ninguém não.
Como disse, passei a noite comigo. As meninas foram dançar, os caras foram se roçar nas saias floridas delas e eu, só fiquei. Sentei ali, no banquinho do centro, folguei as sandálias, pedi um cigarro. Fumei. Lentamente... v a g a r o s a m e n t e, e, nos pensamentos altos e cada vez mais altos, conversei comigo, hoooraaassss a fio contando a mim mesma tudo que fiz nos ultimos anos: as alegrias, as mágoas, as bobagens, as trsitezas, as desventuras, as quase venturas, as poucas e fatais aventuras que a minha própria pele e o eu que estava conversando ousou em duvidar e ahhhhhhhhh. Até chorar eu chorei. Desabafei, joguei tudo pra fora mesmo e senti que eu estava me entendendo. Me dei tão bem comigo mesma que, olha, pensei em me levar pra cama... mas acho que seria rude demais, assim, pro primeiro encontro. Mas eu acho que é assim mesmo, os primeiros encontros são cheios de dúvidas e divididas. Mas, a palavra que não existe nos primeiros encontros é a divida, e isso é ótimo por que desta, eu tô é farta.
Mas sabe, o eu queria me levar pra cama mas não tomou coragem, então eu fui de mansinho e, quando vi, já tava em casa. Na cama. Sem roupa. me admirando no espelho em frente. Sorri; o que mais há de se fazer quando tem alguém te fazendo tão bem assim? te admirando, te dando tanta atenção logo num primeiro encontro.? Eu me encontrei. Como eu pude ser tão cega? Ali, sempre na minha cara. Na minha própria cara, mesmo!

43 anos e finalmente encontrei o amor da minha vida.

Por alívio.

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

A menção de cultivar.

Lembra profundamente daquela tua imagem de amor?
Nós, pela manhã, sorrindo antes mesmo de acordar.
Lembrei-me do seu texto e deleitei-me sobre ele como quem se debruça sobre uma almofada de algodão quentinha, com cheiro de lar.
Sabe, nós temos agora: a cama pra dividir todas as noites, os confessos, os desabafos, as gargalhadas antes de deitar.
Eis que descobrimos então a qualidade importante de cultivar; certo dia, escreve-me que 'Vendo o Sol nascer ainda venusto,Caminharemos para casa cultivando na alma este belo arbusto'. Esta é a grande menção: C U L T I V A R.
O tempo vai passando entre nossos corpos, elevando nossos trajes como um vento forte de uma tarde, logo depois do sol descer.
Olhar pra ti todas as manhãs e, de passar as minhas mãos sobre os teus braços, você sorri, sem sequer ter-se voltado a alma ao corpo, como a rosa de orvalho tocando a minha epele, do seu texto.
Isto é valorizar os encantos que pularam para a realidade, como um momento cinematográfico intocável.
Sim, nós nos tornamos mais reais. Agora, também corremos atrás da vida, corrida. Agora, também nos desesperamos, por hora, pelas voltas que o mundo dará. Agora nos destraímos com a questões enigmáticas que a vida dá.
Mas isso, meu bem, nos torna ainda mais fortes, mas decididos. E, ora, esta humanidade nossa, com os defeitos, também faz parte de um filme dramático contemporâneo onde o objetivo é deleitar sob os próprios olhos a nudez humana.
Sim, eu ainda acho nossa vida um cinema, uma obra de arte, uma música efêmera a pairar no topo das nossas próprias cabeças, incessantemente.
Eu ainda vejo nos teus olhos de absinto, uma câmera admirando as imagens, os sentidos. Ainda me vejo sonhar... e eu vejo, realmente, que isso pode nunca acabar.

Nestes dias, meu bem, em que acordo por um cigarro e vejo, através da claridade da cortina semi-aberta, as tuas pernas pálidas tão distantes da coberta, enquanto o sol erradia os seus fios de cabelo, o sentido de estarmos juntos, o sentido de amar.

Por que? Por que as horas a fio passam e a garrafa de vinho nunca é a mesma. Por que o cheiro da tua manhã não é a mesma. Por que a rotina, quando tenta cair nas minhas costas, à esmo, é empurrada pelo nosso quarto avermelhado pra bem longe da porta.

Por que ainda vejo. Por que enxergo. Por que sinto. Por que ainda te fotografo com os olhos, por que ainda te ouço como um livro sempre inacabado. Por que te sempre te decifro.

E decifro.

Por que te amo, e por que te amo, e te amo, e te amo...

e Ponto, e basta.