domingo, 12 de julho de 2009

A espera.

Acima das gotas que eu permiti cair em meu mundo, moinhos brotam raios de ar claro, feito luz incandescente, limpando os olhos daquele pó amarelado que as borboletas soltam de suas minúsculas patinhas. Os olhos, minuciosamente arquitetado das borboletas me absorvem, vendo-me andar de um lado a outro da sala fria, com nada entre as mãos. Elas me comovem com tal solidariedade. Ou, ao menos, elas se tornam seres comovidos com a amarga angustia que brota entre os meus seios. As goteiras mancham o teto e o chão de sanguínea antiga, o chão de madeira seca escura e velha, fétida por cupins.
Ainda mais fétido, os meus cabelos pouco lavados a muito tempo, de longos e curtos fios desmodelados, que caem por todos os lados e grudam no chão quando se juntam à sanguínea.
Malditos filtros jogados no tapete-cinzeiro, ao canto, perto da janela [macete comum neste ambiente pouco hospitaleiro, muito útil e nada convencional]. Janela, que chamo de lar.
Abro-a calmamente (pois me agrada o rangido fundido com o som dos vidros rachados, rasgando lentamente o silencio, caindo feito pedra ao meio do eco), observo seu metal de segunda linha pintado a duas mãos de branco pela antiga moradora, para cobrir aquele terrível cinza enferrujado que ficara marcado depois de tantas chuvas. Na verdade, me agrada a ferrugem daquelas janelas: guardam certas histórias de certas aventuras por que ela passara.
Ponho as mãos nos apoios, apoio os pés na base. Ferro gelado, ainda mais porque é inverno... Faz um frio rigoroso por aqui no fim da tarde e por toda a madrugada.
Sento-me à base, ponho os pés para fora, fazendo-os balançar como pêndulos que batem nas paredes externas até ficarem arranhados pelo ignorante muro mal lixado (ou seria eu?).
Jogo os cabelos para traz das costas, para que não me tampe a visão. Olho com graça a agitação absurdamente melancólica, abaixo dos meus pés; Por alguns momentos, eu não faço parte desta cidade... Estou degraus acima dela. Talvez seja a única coisa que me dê uma sensação efetivamente altiva.
Pensar ou não pensar é bem mais fácil aqui, sem o peso da gravidade ou das situações.

Tornozelos e joelhos arroxeados pela friagem.
Esta janela me guarda segredos e prestígios.
O canto mais aconchegante e, até, o mais válido dos cantos.

Braços inválidos de tanto frio...
Ahhhh,Meu lar.

Eis que, de repente, um exalto: Barulho rápido de chaves na maçaneta, batida de pé na porta e ela se abre: chegara!
A quem eu, minutos antes, atravessava a sala curta mergulhada em aflição.
Chegara, com suas botas pretas e seu longo e velho casaco.
Leva-se à cozinha e serve-se de uma boa caneca de café. Coloca-a em cima do banco, tira o maço de cigarros novos do bolso, pega o primeiro, cheira-o e guarda-o novamente, virado para cima.
- Sabe o que dizem: o primeiro é o cigarro da sorte. Deve ser fumado por ultimo.
Ele disse com ares de escárnio... Como se ainda ocupássemos nossa mente de alguma fé ou esperança, mesmo que ridiculamente colhidas de um maço de cigarros.
Pega sua preciosa servida da manhã e aproximasse da minha janela, onde o vento pode alcançar-lhe o rosto. Ele apóia os cotovelos, e repousa uma das suas mãos cadavéricas e descoradas (aquela com o cigarro)... Um tipo garoto macilento. Ele adora fazer isso e admirar o fumo espesso se destacar com a cor da minha pele arroxeada.
Uma mariposa sem cor, esquelética pousa em sua mão
-Não sei como elas sobrevivem nesse tempo.
Ele sorri, fracamente... Talvez não tenha mais forças mesmo para movimentar os malditos músculos do rosto. Por isso derrotamos os nossos corpos durante as madrugadas.
Olhares deturpados. Ele para o mogno, eu, para o horizonte.
Um leve tapa compreensivo nas pernas. Bem, eu já sabia o que significara. Minha parte favorita dos domingos: Deu-me a mão para descer ao quarto, levou-me ao colchão instalado ao meio. Ligou o rádio e encheu-nos de cobertas.
Uma cena agradável: Nós, uma boa garrafa de vinho barato, nosso novo maço de cigarros, e a cor azul pálida do frio transferindo cores inebriantes que se dispunham por todo o quarto.
Ele se tornara azulado pela luz nas janelas. Os olhos entreabertos trocam afagos durante as conversas e as musicas que cantamos solenemente.
A fumaça decora o quarto durante todo o tempo, e eu o abraçava com todo o calor que ainda restava nos braços.
Dopantes.
Transformei num verdadeiro longa-metragem em minha mente, com cenas tocantes e musica de fundo. Até doces fotos de pôsteres velhos.

Mal podíamos pensar em ter que descer novamente para comprar outro maço.

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